Quanta ansiedade nos ronda quando falamos de nutrir nossos filhos ou um bebê. Que medo de errar! Que medo de passar fome! Que medo de transformá-lo num mau comedor ou numa criança que come errado.
Tenho 3 filhos: um pré-escolar na fase seletiva, uma threenager exploradora e uma bebê de 10 meses que não sabe se come, se tenta usar a colher ou se continua seus ensaios clínicos randomizados sobre causa e efeito do lançamento de comida.
Ainda me lembro da primeira introdução alimentar: o 6º mês nem tinha chegado, mas eu já me sentia culpada porque não sabia o que fazer e com medo do meu filho passar fome. Mas, de lá pra cá, foram tantas experiências acumuladas em 3 IA’s tão diferentes, além de quase 5 anos auxiliando pais -especialmente em BLW – nessa jornada, que me arrisco a contar 10 fatos sobre a alimentação do bebê que eu gostaria de ter sabido antes – e, por isso, poderão ajudá-los a iniciar com informação e leveza o que virá.
1) Existe muito mais que papinha. Ou pedaço
Nove meses aprendendo que maternidade convive com abreviações e siglas e teorias e correntes, para descobrir que não é nada perto das inúmeras possibilidades de IA: introdução alimentar.
Podemos falar em pelo menos três métodos de introdução alimentar, a depender do grau de interferência do adulto no processo e da apresentação dos alimentos no início da introdução alimentar.
Miguel, 6 meses, 1a refeição: papinha de banana
Os órgãos de saúde em todo o mundo preconizam, em termos populacionais, o método tradicional, iniciado com papinhas – que são os alimentos amassados – ofertadas pelo cuidador. O bebê recebe a comida na colher. Começa amassado, passa pelos pedaços e termina na comida da família, gradualmente.
Além dele, há o Baby-Led Weaning (BLW), uma forma de alimentação em que a criança se autoalimenta; não há papinhas; a comida é a mesma da família desde o início, com formatos adequados às habilidades motoras do bebê. Começa pelos pedaços e pela comida da família, desde o início.
Por fim, entre um ponto e outro, existes diferentes nuances de interferência do adulto ou de autoalimentação do bebê e a família pode adotar uma introdução participAtiva, em que momentos de alimentação pelo adulto se alternam com autoalimentação.
Em comum, todas as formas pregam a responsividade – estar atento e solícito às demandas do bebê e respeitar seus sinais de fome e saciedade, preferências e recusas.
2) O bebê não vai passar fome na manhã do 6ºmês
O dia do 6ºmês amanhece e a fada da comida desce e tudo flui como mágica, exceto pelo fato de que não é assim. O mito do bebê glutão é isso mesmo: um mito.
Os bebês, em geral, estão prontos em termos fisiológicos para os sólidos a partir do 6º mês, mas alguns ainda não estarão. Há outros marcos importantes a atingir: estar sentado sem apoio e levar objetos para a boca com ambas as mãos, além de demonstrar interesse nas refeições. Além disso, pode demorar até o bebê entender que comida é comida e, de fato, se interessar em se saciar com algo diferente do leite. Para alguns, isso acontece lá pelo 9º mês.
Por isso, diz-se que a alimentação nessa fase é complementar – ela complementa o que o leite materno ou fórmula já não supre sozinho.
Isso também não é imediato. As demandas do bebê de determinados nutrientes aumentam, mas suas reservas e a nutrição do leite não cessam da noite pro dia. Há tempo para o aprendizado.
3) O leite materno não vira água
Estamos carecas de saber: é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que a criança seja amamentada até dois anos ou mais. Não é à toa! A principal fonte de nutrição do bebê no primeiro ano de vida é o leite materno. Até os 6 meses, a nutrição é integral – não precisa nem de água. Dos seis meses ao primeiro ano, as reservas de ferro e zinco diminuem, mas o leite materno ainda é o que atende a quase todas as demais necessidades. No segundo ano de vida, o leite da mãe supre cerca de 30% das necessidades nutricionais. Ou seja, o bebê terá tempo para aprender a comer com segurança se estiver com suas necessidades adequadamente atendidas pelo leite materno em livre demanda.
Água é aquele líquido que você passará a dar após o 6º mês, importantíssimo para os rins, que agora trabalharão mais.
E, olha que legal, o clampeamento tardio do cordão é um evento importante para aumentar as reservas de ferro do bebê.
4) Pode ser laranja lima. Ou pêra. Ou bahia
Vocês saíram meio tontos do médico com uma lista de frutas permitidas e proibidas. Eu sei. É duro. Mas fiquem tranquilos. Não há um alimento certo para começar a alimentação.
Comprem a laranja da época, a que mais gostarem, de qualquer variedade. Aliás, pode ser qualquer fruta ou qualquer legume ou qualquer alimento. Privilegiem os produtos da época, mais frescos, baratos, saborosos e com menos químicos. O seu cuidado será evitar produtos alergênicos e duros, que exponham ao risco de sufocamento (os redondos podem ser cortados ao meio no sentido longitudinal/comprido). No mais, de acordo com o método escolhido, comece com o que quiserem.
5) Suquinho, não
Eu fiquei frustradíssima quando li que o suquinho, aquele tão carinhoso, inho, sem gostinho, de laranja lima, no copinho, era uma verdadeira bomba de açúcar (frutose) prejudicada em quantidade de fibras e que aumentava o pico de insulina do bebê, predispunha ao acúmulo de gordura no fígado e ocupava um volume considerável no seu pequeno estômago, em detrimento do leite materno ou fórmula – tão mais nutritivo, completo e também hidratante. Por essa e outras razões, os sucos não são indicados antes de um ano e, após, o volume total diário não deve ultrapassar 180 ml. Quer dar suco de laranja para incrementar a absorção do ferro? Opte pela fruta in natura, rica em vitamina C, fibras e possibilidades sensoriais.
6) Faz sujeira. Pra caramba
Pimpom toma sua sopa e não suja o babador,
Pois come com cuidado o que é feito com amor
Pimpom, como sabemos, é um boneco, feito de papelão. Se ele sujar a roupa, ele desmancha. Não é cuidado. É sobrevivência.
18 meses de idade. 12 meses de lambança
Por isso, não confundam seu lindo filhotinho curioso e estabanado com o delicado Pimpom. Na vida real, vai ter muito mais comida no cabelo e no chão, nos primeiros meses, do que na boca. A não ser, claro, que a opção seja não permitir nenhum contato com a comida – o que, já se sabe, não é legal.
Existem algumas estratégias: babadores impermeáveis, dar banho em seguida, forrar o chão ou adotar um cachorro que adore ficar ao pé da mesa.
7) O bebê não precisa comer tudo
Você, quando pequeno, deu tanto trabalho para comer que já sabe todas as garrafadas de ovo de pata com óleo de fígado de bacalhau de cor. Seu maior medo é que seu filho puxe a você e que vocês tenham que usar todas as técnicas de raspagem de prato existentes.
Eu vou te contar: o bebê não precisa comer tudo. Ele precisa comer o suficiente. E ninguém além daquele que habita aquele corpinho sabe o quanto é suficiente e quando é hora de parar (ou de começar).
“Ok, mamãe. Chega disso.”
O bebê já come o quanto precisa desde que nasce, se está mamando em livre demanda. Ele não mama nem mais nem menos. A introdução alimentar é continuidade da alimentação. Portanto, o bebê tem total capacidade de comunicar se quer comer e quando está bom. É importante que a conexão entre ele o cuidador se afine. É um investimento na relação e na saúde da criança que, assim, continuará aperfeiçoando seu mecanismo de fome e saciedade, com real efeito protetivo em relação a obesidade e enfermidades conexas.
8) Introdução alimentar não é “dieta”
Tem muita gente confundindo “comida de verdade” (um conceito bem aberto, né?) com dieta no sentido “fitness” do termo.
O leite que o bebê consome é tudo menos light. Ele é rico em proteína, açúcar e gordura, porque a criança demanda muito de tudo isso para se desenvolver.
Comida gostosa, variada, temperada e cheirosa
Quando se fala em introduzir alimentos saudáveis, o que se preconiza são alimentos naturais, sem processar ou minimamente processados, da época, locais, aqueles que originam os pratos e preparações. O tempero é rico em ervas. O óleo é de qualidade, porque o corpo precisa de gordura também. Orienta-se evitar aquilo que sabidamente faz mal e/ou vicia e/ou é desnecessário: sal, açúcar, condimentos prontos, adoçantes. A comida do bebê é tudo menos lowcarb. É muito carb! Carboidratos da comida caseira, complexos, da comida saudável, feita pra família, ricos em nutrientes e afeto.
É free-industrializados, químicos, não free todas as coisas que fazem mal para determinados grupos de indivíduos (intolerantes ou alérgicos).
Pode, portanto, o que for adequado à idade. Nutrimos na abundância.
A gente tenta gourmetizar…
Também não é necessário ser culinarista: comer saudável é o simples e acessível a cada indivíduo, na sua realidade. Não precisa ser “gourmet” nem de “superalimentos” nem de obras de arte no prato (ou não, rs).
Dica! Alimentação adequada é um direito que envolve informação, acesso a alimentos saudáveis, decisão e respeito às escolhas – dar ou não dar segundo uma escolha informada. Não é sobre privação por medo.
9) “Vale tudo para comer!”?
Não vale, não!
Vale conversar, vale experimentar junto, vale ser exemplo, vale variar a apresentação, vale encerrar a refeição quando o bebê não quer (mais).
Não vale premiação, não vale troca, não vale chantagem, não vale violência, não vale distração.
Pense para longo prazo: a alimentação complementar é uma etapa da vida, e não só da formação de paladar – mas, principalmente, do estabelecimento de uma relação permanente com a comida.
E como será? A comida será prêmio? Será consolo? Será para agradar quem amamos? Será para evitar um castigo?
Por quem esse bebê comerá? Por que ele comerá? O que será “comer” para ele?
Investigue sua própria relação e aproveite para que toda a família tenha uma nova oportunidade de se vincular de forma potente com a refeição.
10) Existem muitos “jeitos certos” de IA
Provavelmente, se o bebê está tranquilo e receptivo, se a família está tranquila e receptiva, se está atendendo às necessidades individualizadas do bebê e da família, esse é o jeito certo de introdução alimentar. Mas esse é o jeito certo para aquele núcleo, para aquela realidade.
Haverá bebês – e famílias – que se encontrarão no BLW. Outros, em que o bebê é mais explorador, mas a família tem alguma limitação interna ou estrutural para seguir a abordagem e todos se encontrarão felizes na alimentação participAtiva. Haverá bebês cujos cuidadores terão segurança (e nela repousa a liberdade) na forma tradicional. E entre cada modelo, haverá múltiplas organizações que certamente atenderão a cada universo único que é a família.
Melina, 11 meses, BLW’er há quase 33 anos
Há comportamentos frente à alimentação que são absolutamente importantes: ser responsivo às demandas do bebê, respeitar seus sinais de fome saciedade e ser irredutível quanto à segurança alimentar.
No mais, o jeito certo são todos esses jeitos certos e conscientes de iniciar e manter a alimentação complementar.
Seu bebê é único. Um indivíduo pleno e em pleno desenvolvimento.
Desejo que a IA seja uma constante de descobertas, aprendizados e leveza para vocês todos!
Ah! Ficou com dúvidas? Você, pai, mãe ou profissional da área da saúde, saiba mais sobre nosso Curso de Introdução Alimentar neste link: Curso de Introdução Alimentar para Profissionais
E, claro, para orientações individualizadas sobre essa fase, consulte o nutricionista ou o pediatra.
Com amor,
Excelente e maravilhoso texto!
Perfeito o texto